Freud descobriu o fenômeno da transferência, reconheceu os sentimentos surgidos do terapeuta em relação ao paciente e deu-lhes o nome de contratransferência. Estes mecanismos são muito importantes e fundamentais para um tratamento bem sucedido.
Há, porém, grande diferença entre o que Freud percebia como contratransferência e o que atualmente se leva em conta: para Freud, o terapeuta deveria eminir-se de revelar o que quer que fosse sobre sua contratransferência. Ele devia funcionar como uma tela em branco ou como um espelho, sobre o qual o paciente projeta suas fantasias. Ou seja, Freud afirmava que o terapeuta, idealmente, deve ser inteiramente anônimo e neutro em seu relacionamento com o paciente e não lhe fornecer nenhuma informação, direta ou indiretamente, sobre si mesmo. O motivo: Quanto menos o paciente conhecer os fatos reais, mais projetará o que há dentro de si sobre a figura inapreensível do terapeuta. Essa projeção é muito importante, porque é através dela, na verdade, que se realizará o tratamento. Por meio dela, terapeuta e paciente compreenderão quais as sombras no passado do paciente que o perseguem inconscientemente até hoje, e daí se abrirá a brecha para superá-las.
Esse ideal Freudiano do terapeuta como tela em branco foi entendido de maneira distorcida ao longo do tempo, e tornou-se um enorme problema na história da Psicanálise.
Preferencialmente não se deve estender a mão ao paciente, o menor contato físico pode ser desencadeador de fantasias ancestrais perigosíssimas ao tratamento. Por razão semelhante, nada de fotografias na sua sala. Imagine um psicanalista que mostrasse sua família ou seus amigos, quão perturbador poderia ser? Melhor mesmo é que nem livros tivesse, para não revelar seu gosto literário. Vestir-se deveria ser sempre o mais discreto possível, sempre de cores pálidas. Não atender pessoas da mesma família, para que a transferência não se misturasse nas intricadas redes afetivo-familares.
Aliás, era melhor também não atender ninguém que morasse nas cercanias do consultório ou da casa do analista, pois já imaginou como seria horroroso, um paciente ver seu analista em uma manhã de domingo comprando um jornal na banca da esquina?
É fácil perceber que tudo está ali pensado para não "perturbar" o paciente. Ora, ora, uma análise foi feita para fazer dormir ou para acordar?
Percebemos que há outa Psicanálise possível, diferente daquela cheia de rituais de isolamentos obssessivos, até porque o ideal da tela em branco é simplesmente impossível de ser colocado totalmente em prática.
Quando o terapeuta apresenta ao paciente uma fachada gentil, mas distante e vazia de emoções (como fazem alguns terapeutas iniciantes, ainda inseguros quanto ao seu estilo pessoal), não é a imagem de uma figura neutra e anônima que ele está apresentando, mas a de uma pessoa bastante definida: fria e ardilosa.
Como toda ação corresponde a uma reação, o paciente reagirá de modo negativo, conscientemente ou não, a essa imagem do terapeuta frio e distante.
É importante observar essa relação que se desenvolve entre terapeuta-paciente como algo que tece dinamicamente entre duas pessoas, em que transferência e contratransferência se interpenetram a ponto de ser difícil isolá-las.
E essa é uma condição para que um tratamento seja bem sucedido: que as duas pessoas que se associam para realizá-lo sejam verdadeiras.
Que viva a Psicanálise, além de qualquer standard!
Fonte: O inimigo no meu quarto - Yoram Yovell
Jorge Forbes - Revista Psique, edição de abril 2011.
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